Afinal, própolis é tudo igual?

Afinal, própolis é tudo igual?

Farmácia dos nossos biomas, a PRÓPOLIS tem sido usada como medicamento popular desde 300 aC (Ghisalberti 1979). Ela consiste em uma mistura complexa de substâncias resinosas e balsâmicas coletadas pelas abelhas na natureza (a partir de botões, flores e exsudatos de plantas) com cera, pólen e suas secreções salivares.  Uma vez coletado, este material é utilizado para arquitetura e proteção das colmeias Ghisalberti et al., 1978). Durante essa manipulação interna, as abelhas misturam cera a essa resina coletada, juntamente com a enzima 13-glicosidase encontrada em sua saliva, hidrolisando flavonoides glicosídicos em flavonoides agliconas (Park et al., 1998). 

Extrato de própolis verde

Figura 1: Extrato de Própolis Verde.

 

A composição química da própolis é extremamente complexa, tendo sido encontradas mais de 300 substâncias diferentes (BURDOCK, 1998; BANKOVA et al., 2000). De modo geral, a própolis contém 50-60% de resinas e bálsamos, 30-40% de ceras, 5-10% de óleos essenciais, 5% de grãos de pólen, além de pequenas quantidades de alumínio, cálcio, estrôncio, ferro, cobre, e também vitaminas (GHISALBERTI, 1979). Esse importante produto apícola é conhecido, principalmente, por suas ações antimicrobiana, antioxidante, anti-inflamatória, imunomoduladora, hipotensiva, cicatrizante, anestésica e anticancerígena, (BANKOVA et al., 2000;2005; PARK et al.,1998; ISLA et al., 2001). A presença de compostos fenólicos, com destaque para os flavonoides, explica em parte a grande diversidade de propriedades biológicas relatadas na literatura (PARK et al., 1998). De fato, as pesquisas têm apontado para alta correlação entre o perfil de substâncias fenólicas e as propriedades biológicas da própolis, sendo a análise qualitativa e quantitativa desse grupo de substâncias um parâmetro de qualidade importante para a caracterização desse produto apícola (Toreti et al., 2013) 

Considerando a enorme diversidade de resinas de plantas existentes nos mais diversos biomas, é natural que seja assumido que a própolis de diferentes origens contenha diferentes constituintes. Porém, alguns desses constituintes estão presentes em muitas amostras de diferentes lugares, marcando grande semelhança de compostos químicos produzidos por diferentes espécies de plantas. Alguns constituintes estão presentes nas amostras de origem vegetal específica (Ghisalberti, 1979), caracterizando própolis ditas como diferenciadas (como a verde a e vermelha, por exemplo). 

Os compostos essenciais responsáveis ​​pelas atividades biológicas dos diferentes tipos de própolis são polifenóis, ácidos aromáticos e ácidos diterpênicos, mas muito poucos tipos diferentes de própolis têm sido diferentes em seus principais compostos bioativos. A composição diferenciada também está relacionada à flora específica da região e aos tratamentos da matéria-prima (Vijay et al., 2013). Sendo assim, entendemos que própolis é um produto apícola de origem vegetal, cuja composição química e atividade biológica dependem da especificidade da flora local e época de colheita. Mas, embora muitas pessoas -e até pesquisadores- negligenciam, é que a composição da própolis depende também da espécie de abelha. A maioria dos estudos na literatura tem investigado a atividade antimicrobiana da própolis produzida por Apis mellifera. No entanto, pouco se sabe sobre os efeitos biológicos da própolis produzida por outras abelhas, como as Meliponinas (Torres et al., 2018). 

Apis mellifera é a espécie de abelha mais manejada para a produção de mel e própolis no país (apicultura) em virtude de sua adaptabilidade, capacidade produtiva e histórico de implantação (Nogueira-Neto 1997; Morais et al. 2012). Apesar do manejo amplamente disseminado no Brasil, Apis mellifera é uma espécie exótica e foi inicialmente introduzida no país junto à colonização europeia. Por outro lado, já foram contabilizadas e registradas mais de 1.500 espécies de abelhas nativas brasileiras (Silveira et al., 2002), merecendo destaque as abelhas sem ferrão, que pertencem à subtribo Meliponina (Hymenoptera, Apidae), com 29 gêneros e mais de 300 espécies conhecidas (Pedro, 2014). A criação de abelhas pertencentes a esse grupo, chamada meliponicultura, tem aumentado no país nos últimos 10 anos, com suporte de práticas e inovações no manejo (Barbieri & Francoy, 2020), impulsionada especialmente pela demanda do mel produzido por elas no segmento da alta gastronomia (Silva et al., 2012). Com diferentes hábitos e comportamentos, além de distribuição de espécies muitas vezes restrita a biomas específicos, essa biodiversidade de abelhas brasileira pode ser detentora de enorme -e pouco conhecida- riqueza de componentes químicos em sua própolis. 

Dentre as espécies mais conhecidas, destacamos as jataís, mandaçaias, irapuás/arapuás, uruçus, marmeladas e plebeias. Por possuírem ferrão atrofiado, essas espécies brasileiras são chamadas abelhas sem ferrão (ASF). A Meliponicultura é uma das poucas atividades no mundo que se encaixa nos quatro grandes eixos da sustentabilidade, pois é geradora de impacto ambiental positivo, é economicamente viável, socialmente justa e culturalmente importante pela proposta educacional que desempenha na sociedade. Conhecer os subprodutos dessa atividade agrícola permite o desenvolvimento de tecnologia associada à biodiversidade, agregando valor e promovendo o estímulo para a proteção desses polinizadores.

Própolis de abelhas nativas sem ferrão

Figura 2: Própolis bruto de abelhas nativas sem ferrão.

 

Normalmente, a própolis de abelhas sem ferrão (ASF) é caracterizada como distinta da própolis obtida de Apis mellifera, porque parte das abelhas sem ferrão adicionam argila (solo) ou lama ao exudado coletado das plantas. Por isso, a própolis de algumas espécies de ASF é chamado de “geoprópolis”. Por outro lado, existem meliponineos que produzem própolis sem agregação de componentes do solo. Embora algumas dessas espécies tenham comportamentos que levem a produção de geoprópolis, a resina coletada pelos meliponíneos desempenha o mesmo papel biológico na colmeia que a própolis de Apis mellifera.  Assim, espera-se que a própolis de ASF tenha composição e atividades biológicas semelhantes àquelas encontradas nas resinas de abelhas europeias e africanizadas (Salatino et al, 2019). Pouco se explora sobre a composição química e as propriedades biológicas da própolis das diferentes espécies de abelhas sem ferrão, dificultando o estabelecimento de um padrão de qualidade para esse produto natural. De fato, embora tenhamos poucos trabalhos que caracterizem quimitamente a própolis de ASF e a compare com as abelhas melíferas com ferrão, os dados disponíveis indicam que as resinas de ambas sejam semelhantes quanto à composição e propriedades biológicas (Salatino et al., 2019; Sanches et al., 2017).

A literatura destaca forte potencial antimicrobiano para geoprópolis de diversas espécies de meliponíneos, e entre as principais classes de substâncias identificadas estão terpenoides, ácidos terpênicos, álcoois, ácidos alifáticos e seus ésteres, flavonoides, saponinas e ácidos aromáticos (Sanches et al., 2017). 

Sanches e colaboradores (2017) revisaram dezessete artigos científicos sobre a origem vegetal de própolis de ASF e concluíram que essa classe de abelhas explora diferentes fontes vegetais para produção de resina, tornando inevitável a diferenciação entre a própolis produzida por diferentes espécies e também entre espécies de diferentes regiões do Brasil, o que reflete em grande variação nos seus componentes químicos. (Sanches et al., 2017).

Com tudo isso, podemos concluir que a composição química da própolis varia de acordo com a flora visitada pelas abelhas, a região e o momento da coleta (Huang et al., 2014; Pasupuleti et al., 2017). Consequentemente, a sua qualidade e as atividades biológicas variam de acordo com sua origem botânica (Araújo et al., 2015; Ribeiro-Junior et al., 2015). A composição química da própolis de Apis mellifera é qualitativamente a mesma nas regiões geográficas onde foi produzida. Por outro lado, em geral, a própolis de abelhas sem ferrão apresenta uma grande variação, mesmo entre as espécies da mesma região (Araújo et al., 2015; Ribeiro-Júnior et al., 2015). Para o presente trabalho de pesquisa, foram usadas própolis de sete diferentes espécies de ASF coletadas numa mesma cidade do Estado de São Paulo. 

 

Bibliografia Consultada

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